Carta a Besteiros
É um hábito, um hábito
saudável que desde de 1982 escrevo-te uma carta, a ti, Besteiros, a 4 de
fevereiro. Nesse longínquo primeiro ano em que estava ausente do teu território.
Ano após ano, neste dia, redijo umas linhas em que mitigo as saudades da
ausência, da distância apesar dos muitos quilómetros não te tiram do meu
coração e do meu pensamento. A ti, “Bela adormecida”, nome que te enobrece que
vi escrito pela primeira vez por um grande prosador, Dr.º Pereira da Fonseca.
Nome que também reflete a
realidade, “adormecida”, mas nela ao mesmo tempo que adormeceu no tempo, que
não soube acordar para uma realidade que a deixa às escuras e vazia nas noites
longas de inverno. Perdeu alguma vida, alguma iniciativa, alguma influência,
deixou de ser referência como um farol que iluminava o vale, único e
aconchegante, vale de Besteiros incrustado na serra do Caramulo.
Se viajarmos no tempo,
cem anos atrás, na segunda década do século XX; Besteiros, na altura, antiga aldeia
de Santa Eulália apresentava um dinamismo notável, sendo uma referência na
agricultura, ao mesmo tempo, desempenhava um papel importante, na indústria em
que era uma referência na industrialização precoce do vale de Besteiros. Nessa
altura, um grupo de besteirenses, não só de Santa Eulália, mas todos unidos
pelo amor a Besteiros que nem a ideologia e instabilidade republicana, os
separava. Lutaram por Besteiros, quiseram alterar o destino, sonharam com a
criação do concelho de Besteiros que se estenderia também à serra. Eram
diferentes, eram unidos, por ti, Besteiros, não pensavam nas vantagens
individuais, mas sim comunitárias, porque o que importa é o todo.
Esta toda letargia atual
nos afeta e nos conduz inexoravelmente para o esquecimento. Tens todo um
património cultural e imaterial que merece ser inventariado e preservado que se
nada se fizer, vai se perder e desaparecer na poeira do tempo. Tudo será uma
mera referência de nota de rodapé que ficará nalguns escritos esparsos pelos
jornais da época. Se nada se fizer, perderemos todo um conjunto de memórias que
não serão sequer tema de conversas de serão.
Há um conjunto de
património que merece ser olhado que te relembro:
-
a dinâmica associativa dos inícios do século XX em que a Sociedade de Propaganda
é um exemplo que ainda resiste, não esquecendo o Grémio Besteirense;
-
a avicultura industrial em que Campo de Besteiros foi a terra pioneira da sua
introdução no pais;
-
o desporto motorizado, nomeadamente a prova de perícia, considerada à época a
melhor deste pequeno Portugal;
-
a religiosidade do vale de Besteiros em que teremos, provavelmente um dos
cultos mais antigos do concelho, a Nossa Senhora do Campo.
Mas
não só, não será a mera “folclorização” dessa história e desse património que
contribuirá para a sua preservação, porque há um conjunto de ações que urgem
ser tomadas, que passaria por um congresso de Besteiros.
Parabéns
Campo de Besteiros que estarás sempre, em qualquer lugar do mundo, onde se
encontre um besteirenses ou um “herdeiro” de Besteiros que te guarde na sua
memória. Ser de Besteiros é uma honra!
Joaquim
Calheiros Duarte