4 de fevereiro de 2024

4 de fevereiro de 1929

 

Carta a Besteiros

 


É um hábito, um hábito saudável que desde de 1982 escrevo-te uma carta, a ti, Besteiros, a 4 de fevereiro. Nesse longínquo primeiro ano em que estava ausente do teu território. Ano após ano, neste dia, redijo umas linhas em que mitigo as saudades da ausência, da distância apesar dos muitos quilómetros não te tiram do meu coração e do meu pensamento. A ti, “Bela adormecida”, nome que te enobrece que vi escrito pela primeira vez por um grande prosador, Dr.º Pereira da Fonseca.

Nome que também reflete a realidade, “adormecida”, mas nela ao mesmo tempo que adormeceu no tempo, que não soube acordar para uma realidade que a deixa às escuras e vazia nas noites longas de inverno. Perdeu alguma vida, alguma iniciativa, alguma influência, deixou de ser referência como um farol que iluminava o vale, único e aconchegante, vale de Besteiros incrustado na serra do Caramulo.

Se viajarmos no tempo, cem anos atrás, na segunda década do século XX; Besteiros, na altura, antiga aldeia de Santa Eulália apresentava um dinamismo notável, sendo uma referência na agricultura, ao mesmo tempo, desempenhava um papel importante, na indústria em que era uma referência na industrialização precoce do vale de Besteiros. Nessa altura, um grupo de besteirenses, não só de Santa Eulália, mas todos unidos pelo amor a Besteiros que nem a ideologia e instabilidade republicana, os separava. Lutaram por Besteiros, quiseram alterar o destino, sonharam com a criação do concelho de Besteiros que se estenderia também à serra. Eram diferentes, eram unidos, por ti, Besteiros, não pensavam nas vantagens individuais, mas sim comunitárias, porque o que importa é o todo.

Esta toda letargia atual nos afeta e nos conduz inexoravelmente para o esquecimento. Tens todo um património cultural e imaterial que merece ser inventariado e preservado que se nada se fizer, vai se perder e desaparecer na poeira do tempo. Tudo será uma mera referência de nota de rodapé que ficará nalguns escritos esparsos pelos jornais da época. Se nada se fizer, perderemos todo um conjunto de memórias que não serão sequer tema de conversas de serão.

Há um conjunto de património que merece ser olhado que te relembro:

            - a dinâmica associativa dos inícios do século XX em que a Sociedade de Propaganda é um exemplo que ainda resiste, não esquecendo o Grémio Besteirense;

            - a avicultura industrial em que Campo de Besteiros foi a terra pioneira da sua introdução no pais;

            - o desporto motorizado, nomeadamente a prova de perícia, considerada à época a melhor deste pequeno Portugal;

            - a religiosidade do vale de Besteiros em que teremos, provavelmente um dos cultos mais antigos do concelho, a Nossa Senhora do Campo.

            Mas não só, não será a mera “folclorização” dessa história e desse património que contribuirá para a sua preservação, porque há um conjunto de ações que urgem ser tomadas, que passaria por um congresso de Besteiros.

            Parabéns Campo de Besteiros que estarás sempre, em qualquer lugar do mundo, onde se encontre um besteirenses ou um “herdeiro” de Besteiros que te guarde na sua memória. Ser de Besteiros é uma honra!

Joaquim Calheiros Duarte


Nenhum comentário:

-------------------------------Um baú de histórias e memórias--------------------------------