PÁSCOA EM BESTEIROS!
Domingo de Páscoa, festa grande, festa domingueira,
festa de estrear roupa nova e, sapatos novos, a roupa de “ir à madrinha”,
afirma o povo com certa ironia, mas era bom de ver todos garbosos, de peito
inchado, mas nada de correrias, porque algum poderia acabar de sapato esmurrado,
numa pedra solta, ou, pior de calças rasgadas, aí, sim, seria o castigo máximo,
a tragédia, das tragédias.
O ponteiro do relógio espreguiçava-se para as seis e
meia e, o sino começava numa algazarra capaz de acordar qualquer um em redor,
já não bastava o galo madrugador, mas a esse ainda podia ameaçar-se de ir para
ao forno, o sacristão é que não. Assim sendo, pior era o sino, o sol ainda não
despertara, lá estava ele com todo o ardor a lembrar que a procissão da Ressurreição
estava marcada para as sete e meia.
Meios ensonados, ainda aos tropeções, despertava-se
quando a água nos abria os olhos, num lavar de cara a gato, já que a barrela
tinha sido de véspera, a nós, com sabão cor de rosa, também não tinha escapado
a casa, até se podia comer no chão, porque o Senhor Ressuscitado a iria
visitar.
Próximo das sete meia, as ruas, na sua maioria em macadame,
enchiam-se de gente, todos em direção à Igreja Matriz de Santa Eulália. Rompia o coro, numa linda melodia, afinada,
porque nisso de cantar, o coro de Santa Eulália pedia meças a qualquer um,
sempre teve “umas vozinhas de prata” que enchia a igreja e começava a cantar aos
sete ventos “Ressuscitou, Ressuscitou”. Saía a procissão, em direção ao Campo,
virava junto à Praça da República, passava defronte do santuário de Nossa
Senhora do Campo e, regressava à Igreja. Os pendões à frente embelezam o vale,
a cruz paroquial, única, pesada percorria as nossas ruas.
Mais tarde, saia o compasso em que a campainha avisava
da sua chegada. Compasso que integrei dezasseis anos, entre 1969-1985,
dezasseis anos de histórias, em que os besteirenses recebiam com uma alegria e
hospitalidade genuína, nas suas casas, sempre de forma comunitária. Em muitas casas
via-se a laranja com a moeda, a melhor toalha de linho na mesa e, por tradição
começava o beijar da cruz sempre no “chefe da casa”. Havia sempre as amêndoas que
os mais novos procuravam avidamente junto ao Padre Armando. Gratas recordações,
uma delas, “o arroz de tomate” também, penso eu “ do caldo verde” que encerrava
o compasso, no domingo. Muitas histórias, em que sabíamos, na altura, qual era
a casa com mais escadas, mas sobretudo, depreendia-se o espírito comunitário
dos besteirenses, como de certeza, em outras terras, mas esse espírito era
nosso genuíno, do qual me orgulho.
Pela primeira vez não estarei no Campo de Besteiros,
neste dia, mas a todos, confinados aos nossos lares, a todos os besteirenses, os
que vivem no vale aqueles que estão espalhados pelo mundo, tal como eu e também
aos outros, uma Santa Páscoa ou Feliz Páscoa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário