Caros amigos besteirenses
Falas das novas
tecnologias, de tablets, da facilidade de comunicar, mas como sabes, fico para
aqui sozinho, neste lar, raramente vejo alguém que se diz da minha família,
raramente vejo alguém, que se diz do meu sangue. Dizem que estas tecnologias
vieram aproximar as pessoas, acho que não e temo que não. Cada vez mais
sinto-me sozinho, para aqui despejado, neste lar com a Emilínha, a bater em
todos, que raio de feitio tem a velha. Ainda bem que já não tem dentes, não
seria só à paulada, mas também à dentada. Estas velhas não têm juízo é mais nova
de que eu, cinco anos, mas eu estou aqui jovem, para as curvas, não muito
pronunciadas, porque enjoo.
Falas do mundo de hoje, o
de ontem, seria, afirmas que era bem melhor. Não te convenças disso. Quando a
tua Bisavó dizia os meus dois nomes, isso sim, é que era comunicação. Há pernas
para que vos quero. O caminho para casa encurtava e um friozinho no estômago,
porque sabia que pela certa iria ter baile de chinelo. E quem bem dançava o
chinelo, que bem dançava. Dançava o bailinho da Madeira, o enleio, que se
enleva de tal forma nas minhas pernas que dançava aos saltinhos. Que dança
moderna dançava, de mão atrás, a proteger o que não havia para proteger.
Bons tempos, bons tempos
em que uma sardinha se dividia por três, aprendíamos a dividir, a multiplicar
pelas bocas de casa, já que o tempo não era de abundância, mas sim, de
carestia.
A rua era a nossa casa, o
nosso mundo, o mundo da brincadeira, somente alguns momentos, nas tardes de
domingo, porque o domingo começava com a devoção. Ir à Missa, à Santa Missa,
todo o Santo Domingo. Os homens à frente, as mulheres atrás. Os mais rebeldes
para o coro, em que nas escadas para a Torre sineira ousavam fumar, sim, fumar.
Que costume, empestavam o ambiente, mas orgulhosos, impantes, enchiam os
pulmões de nicotina, mais tarde, coitados, a tosse toma conta deles e a doença.
Mas era vê-los, por vezes, mais pequenos que o cigarro, o Kentucky, sem filtro,
que segundo diziam, sabia mal que fartava. Autêntico mata-ratos, isso era mais
o Definitivo, mas naqueles momentos, aqueles rapazes sentiam-se homens, não de H
grande, mas sim de h, pequeno, mas sentiam-se homens.
Vestia-se a roupa de
domingo, a roupa de ir à madrinha, na procura do folar, de folar de Páscoa e
nesse dia, sabíamos quem era a madrinha, de quem nos tínhamos esquecido noutras
alturas do ano, assim como tu, mas não tínhamos essa coisa das redes sociais.
Na verdade, não entendo nada dessa coisa das redes sociais, a tua mãe, já quis
que eu visse. Diz ela que assim ficaria a par das novidades, vossas e de outros,
mas ficaria eu e meio mundo. Francamente é coisa que não entendo. Lembro-me da
Maria, coitada que todos os dias de madrugada, quando vinha ao leite cantava a
sua vida a toda a gente que a ouvia, resguardada nas suas casas. Cantava sim,
porque para tudo tinha uma canção e assim, relatava a sua vida. Ninguém
colocava um gosto, alguns riam-se, outros…outros…enfim, tinham pena, mas ter
pena de quem ousava partilhar as suas histórias em que normalmente era a
heroína. Hoje teria milhares de gostos!
Preocupa-me é isso dos
plásticos. Sim, preocupa-me, sabes, no meu tempo, isso dos plásticos era coisa
que não havia. Íamos buscar o pão num saco de pano, sim, num saco de pano, e
isso beber água de plástico não prestava, mas de barro, sim que sabor,
conservava as qualidades. Por isso, preocupa-me isso dos plásticos, falas
também dos edulcorantes, sou sincero, nem sei bem o que é isso. As letras
pequeninas, os meus olhos já não alcançam. Queria ler, mas já não consigo, as
letras bailam, já não fazem livros com letras grandes. Já não tenho quem me
leia, perdeu-se esse costume, de ler em público ao serão, o jornal, algum livro
e todos comentavam.
Um abraço apertado cheio
de saudades.
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