CAROS AMIGOS BESTEIRENSES
Sabes, vivíamos na paz
dos dias, sabíamos que o mundo estava em guerra, nos anos quarenta do século XX,
principalmente a Europa, sabíamos e sentíamos, nas restrições que nos deparávamos
no dia a dia. Conscientes que se vivia
num país de liberdade cerceada, em que se falava à boca pequena, em que se
desconfiava da própria sombra, fosse a sombra ter ouvidos. Vivia-se, sabes,
nunca foi dado a essa coisa da política, nem muito contestatário, pelo menos
daqueles que falam muito e muito e hoje até apresentam um currículo anti
qualquer coisa, dizem eles, antifascista. Sabes, lá em casa quem era anti -
qualquer coisa era a tua avó, bastava alguma coisa estar fora do lugar, já
tínhamos sermão e missa cantada.
Que bem que ela realizava
a prédica, verdade seja dita, tinha memória de elefante. Elencava o nosso
conjunto de falhas ou de erros que esvaziava, num instante, a nossa
argumentação. De cabeça baixa, de queixo caído, ouvíamos sem muito contestar o
relambório das faltas. Por isso, mais que desgostar o ditador, o “botas” para
alguns, era mais importante manter a tua avó satisfeita, porque sem dúvida, era
a rainha da casa. Nunca soube ao certo a opinião dela sobre o senhor do
Vimeiro, mas acho que lhe torcia o nariz, dizendo que é católico e, se é
católico não poderia aceitar determinadas coisas. Mas ao certo não o sei, mas
quando o ouvia na rádio, aparelho de excelência lá de casa, saía sempre da
sala, resmungando entre os dentes.
Agora falar do nosso
Campo, sim, Campo de Besteiros, antiga freguesia de santa Eulália. Ao sábado à
noite, ou por vezes, na matiné de domingo tínhamos cinema, na Sociedade de
Propaganda. Outras vezes, um baile de gala, e aí tínhamos à escolha, umas vezes
na Propaganda, outras vezes no Grémio Besteirense. Mais alinhado, talvez, com a
situação o Grémio Besteirense, talvez menos alinhada, a Sociedade de
Propaganda. Nunca o saberemos ao certo, o que iria na alma de cada um, não se
partilhava sentimentos, nem desejos, muito menos ambições.
Era assim, os nossos
dias, mas não penses que não eramos contestatários que o diga o Bispo Moreira
Pinto, quando ousou proibir a festa das Cruzes, sim, aquela festa linda que se
realiza todos os anos em plena serra. Ouviu das boas, bem nos ameaçou de excomunhão,
mas quem ousa enfrentar um povo que tem fé. Quem ousa?
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