5 de julho de 2020

A TI, Mãe...


A TI, Mãe...


Daqueles dias negros que ficam impressos para sempre na memória, enquanto ela nos acompanhar e não deixar sentados numa cadeira a olhar o nada. Gostaríamos de o apagar, mas as lembranças são fortes, duras, que se viveram dia a dia como se todos os dias a ouvisse proferir um pequeno adeus. Sempre nos protegeu no seu casulo, aqui poderia escrever outras coisas, mas não, essas assim, ficarão na memória, como o gosto de ter o nome de família Calheiros. Poderia colar aqui, neste lugar, aquelas frases feitas, as das estrelas, ou, então, somente um minuto, ou um dia, não passam de frases, que alguns um dia escreveram, porque a saudade que sente cada um, só ele é que a sente, porque não se consegue exprimir por palavras, por mais fortes que sejam.

27 anos, longos vinte sete anos, mas parece que foi hoje, parece que revivo todos os segundos, principalmente, o dia anterior. Tantas histórias ficaram por contar, tantas memórias ficaram por partilhar, tantos beijos e abraços ficaram por dar. Gostaria tanto que visses os teus quatro netos, que sei que os mimarias como ninguém, sabendo que a vida muitas vezes foi madrasta, sabendo que nascemos num lar pobre, mas tinhas amor para nos dar.

Olha, as vezes que te aborreci por cantares em público, enchias a Igreja com a tua voz como ninguém, se cantavas, se cantavas bem, nunca fui capaz de te dizer isso, antes pelo contrário. A tua voz alegrava os montes como vi recentemente numas imagens da RTP, eras mesmo uma daquelas “Vozes de Prata” que teve sempre Santa Eulália de Besteiros, na continuidade da avó Adelina e de outras.

Quando as poucas vezes que vou a Campo de Besteiros ouço algumas “vozes”, “vozes de autênticas canas rachadas”, desculpem a expressão, impantes, orgulhosas, ainda me arrependo e doí-me, porque mãe, cantavas muito bem, mas muito bem, mesmo.  Ao ouvir essas vozes, apetece-me dizer-lhes que seria bom para humanidade que se calassem, porque não te “calas”, como disse o outro, embora quem canta seus males espanta.  

Mãe, naquela tarde de domingo, naquele 4 de julho, dia da independência dos Estados Unidos, sem saber foi o último adeus, o último olhar dos teus olhos já tristes, cansados, a despedida de um corpo com uma réstia de vida, esgotado de resistir contra uma doença impiedosa e galopante. Deixei de ver o teu sorriso, deixei de ter o teu beijo ao cimo das escadas, deixei de ouvir as tuas gargalhadas, quando aquele pato mudo decidiu que eu seria o melhor alvo para as suas bicadas. Aquelas histórias que contavas de Besteiros que guardei na memória, em parte o meu gosto pela História, pelo património, histórias verdadeiras que já as tenho escritas. O amor que tinhas a Besteiros à tua terra, à tua Igreja, à Senhora do Campo, à tua serra, às tuas procissões. Às quais não faltavas com desvelo sempre atenta, mordoma quando podias.

A ti Mãe, o beijo, o último beijo que ficou por dar…


Joaquim Calheiros 

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