Daqueles dias negros que
ficam impressos para sempre na memória, enquanto ela nos acompanhar e não
deixar sentados numa cadeira a olhar o nada. Gostaríamos de o apagar, mas as
lembranças são fortes, duras, que se viveram dia a dia como se todos os dias a
ouvisse proferir um pequeno adeus. Sempre nos protegeu no seu casulo, aqui
poderia escrever outras coisas, mas não, essas assim, ficarão na memória, como o
gosto de ter o nome de família Calheiros. Poderia colar aqui, neste lugar,
aquelas frases feitas, as das estrelas, ou, então, somente um minuto, ou um
dia, não passam de frases, que alguns um dia escreveram, porque a saudade que
sente cada um, só ele é que a sente, porque não se consegue exprimir por
palavras, por mais fortes que sejam.
27 anos, longos vinte
sete anos, mas parece que foi hoje, parece que revivo todos os segundos,
principalmente, o dia anterior. Tantas histórias ficaram por contar, tantas
memórias ficaram por partilhar, tantos beijos e abraços ficaram por dar.
Gostaria tanto que visses os teus quatro netos, que sei que os mimarias como
ninguém, sabendo que a vida muitas vezes foi madrasta, sabendo que nascemos num
lar pobre, mas tinhas amor para nos dar.
Olha, as vezes que te
aborreci por cantares em público, enchias a Igreja com a tua voz como ninguém,
se cantavas, se cantavas bem, nunca fui capaz de te dizer isso, antes pelo
contrário. A tua voz alegrava os montes como vi recentemente numas imagens da RTP,
eras mesmo uma daquelas “Vozes de Prata” que teve sempre Santa Eulália de
Besteiros, na continuidade da avó Adelina e de outras.
Quando as poucas vezes
que vou a Campo de Besteiros ouço algumas “vozes”, “vozes de autênticas canas
rachadas”, desculpem a expressão, impantes, orgulhosas, ainda me arrependo e
doí-me, porque mãe, cantavas muito bem, mas muito bem, mesmo. Ao ouvir essas vozes, apetece-me dizer-lhes
que seria bom para humanidade que se calassem, porque não te “calas”, como
disse o outro, embora quem canta seus males espanta.
Mãe, naquela tarde de
domingo, naquele 4 de julho, dia da independência dos Estados Unidos, sem saber
foi o último adeus, o último olhar dos teus olhos já tristes, cansados, a
despedida de um corpo com uma réstia de vida, esgotado de resistir contra uma
doença impiedosa e galopante. Deixei de ver o teu sorriso, deixei de ter o teu
beijo ao cimo das escadas, deixei de ouvir as tuas gargalhadas, quando aquele
pato mudo decidiu que eu seria o melhor alvo para as suas bicadas. Aquelas
histórias que contavas de Besteiros que guardei na memória, em parte o meu
gosto pela História, pelo património, histórias verdadeiras que já as tenho
escritas. O amor que tinhas a Besteiros à tua terra, à tua Igreja, à Senhora do
Campo, à tua serra, às tuas procissões. Às quais não faltavas com desvelo
sempre atenta, mordoma quando podias.
A ti Mãe, o beijo, o último
beijo que ficou por dar…
Joaquim Calheiros
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