11 de junho de 2020

MEMÓRIA E IMAGENS 3

LAVADOURO PÚBLICO DE CAMPO DE BESTEIROS


Sempre com alguma nostalgia que olho para o lavadouro público de Campo de Besteiros. Recordo tempos de meninice, daquele tempo em que o tempo corria muito devagar, em que as máquinas de lavar roupa era coisa das “estranjas”, nem mesmo as casas ricas do vale a teriam, porque isto de roupa lavada, não era para qualquer uma “máquina”, tinha de ser tudo a preceito, ou seja, cheirar a lavado.

            De manhã, ou ao fim da tarde, o lavadouro enchia-se de mulheres para a a sua tarefa semanal, ao mesmo tempo que as crianças se espalhavam pelo recinto da feira. Mais tarde, bastante próximo do lavadouro, mesmo defronte, um parque infantil para os petizes ficarem debaixo de olho e darem azo às suas brincadeiras sempre com uns riscos “nos cromados”. Às vezes era preferível, do que um rasgão nas calças.

            Era ali que se sabiam as noticias “frescas”, o “diz-se que disse”, aquelas histórias que alguns queriam esconder. “Tu sabes o que anda fazer a filha do…”, ou então “ a filha de sicrana já fala com…”. Por vezes, estas “estórias” sussurradas, ditas entredentes, estórias de alcova de fazer “corar” as pedras da calçada, talvez se tenha formado daí a ideia de “lavar roupa suja”.

Mas isto de lavar roupa num lavadouro público não era assim tão fácil. Havia como que uma hierarquia, tentava-se chegar cedo, para ser a primeira, para ficar próxima do “lavadouro”, ou seja, do sítio da bica. Assim apanhava-se a água límpida, as outras, talvez que gostassem mais da cama, tinham de contentar-se em ficar a seguir e lavar com a água que a primeira já tinha utilizado. Outras vezes, as mais velhas, a anciã tinha direito à “primeira água”, questões de idade, embora “as mais novas” não gostassem muito, mas assim mandava as regras comunitárias. A idade sempre era um “estatuto”.

            Para além das estórias cantava-se, alegrava-se o ambiente enquanto o sabão rosa que era o companheiro inseparável as ajudava na tarefa de por a roupa limpa. Aqui no lavadouro público ou no Mourão, embora o Mourão tivesse outras vantagens, porque permitia que estendesse junto ao rio a roupa a corar.

Aqui, ficaram muitas histórias, mesmo muitas memórias, muito do que era Campo de Besteiros.


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