Memórias guardadas do tempo da
primária, onde na escola primária de Campo de Besteiros brincava-se sem
preocupações, mesmo num país que ainda não tinha desfrutado da aurora da
liberdade. Um muro, não como o muro de Berlim separava o recreio dos rapazes do
recreio das raparigas. As turmas eram mistas, mas na hora do recreio cada grupo
ocupava o seu espaço. Nada de misturas, porque a moral e os bons costumes assim
o exigiam.
No espaço reservado aos rapazes
brincava-se aos cobóis e os índios aproveitando os arbustos para nos
escondermos dos nossos inimigos. Outras vezes, quando as professoras deixavam,
disputavam-se partidas de futebol como autênticos derbies nacionais que
escutávamos na rádio, nas tardes de domingo entre o Sporting e o Benfica. Hoje,
a televisão, as diferentes horas dos jogos retirou aquela magia dos relatos,
aquela magia dos quase golos transformados em bola fora. Rasgavam-se os
joelhos, nas pedras e areias do recreio, sujavam-se os calções, esmurravam-se
os sapatos, porque isso de sapatilha era coisa de menino rico. Mais tarde de
bata vestida, todos ficavam iguais preparados para lição e sempre com temor da menina-de-cinco-olhos.
O WC, ou casa de banho, ou então em termos bem portugueses a retrete ou então a
latrina era a famosa aquela de buraco no chão, que vendo bem as coisas não
criava grandes problemas de higiene.
De tarde regressava-se a casa
como um autênticos bandos de pardalitos, mas sem antes de se correr à pedrada
os da Ladeira. Autêntica intifada e vá lá compreender-se porquê. De dia amigos,
de tarde separavam-se as águas e os territórios.
Crescia-se feliz, tinha-se a rua
como segundo lar, onde se jogava a bola, ao botão, ao ferro, ao pião.
Rasgavam-se os joelhos, lavava-se com água, mas logo a seguir estava-se pronto
para outra, porque a brincadeira não esperava. Por vezes partia-se um vidro, e
então ficava-se sem a bola, e aí nada nos livrava do castigo. Não ficávamos
traumatizados, nem a precisar de acompanhamento psicológico. Enfim, outros
tempos.
Nas caminhadas comiam-se amoras,
que manjar dos deuses que nos nossos dias são frutos silvestres de compotas e
de pratos de requinte. Nos pinhais apanhavam-se os pinhões, e nos pomares não
se desperdiçava as laranjas, ou as tangerinas.
O tempo corria de devagar, mesmo
muito devagar. O mundo estava mais distante, no horizonte tinha-se a guerra
colonial. Outros tempos, velhos tempos.
Brevemente chegará o centro escolar, novas
instalações, nos terrenos da Escola Básica de Campo de Besteiros. Podemos
dizer, nos terrenos onde deveria ter sido construída a Escola Secundária.
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