APESAR DA CHUVA REVIVEU-SE A TRADIÇÃO!
Chovia que Deus a dava. Mas este ano do céu tem vindo uma grande fartura de
água, os campos estão húmidos e e tanta água também não é benéfica! Mesmo com
chuva, mesmo por vezes olhar para o chão e desviar das poças, foram ainda
muitos resistentes que subiram a serra para participar na Festa das Cruzes.
Reviver e participar na Festa das Cruzes no Guardão é daqueles momentos
mágicos que num momento nos transporta ao nosso tempo de infância, em que o dia
de Ascensão era de importância transcendente, na religiosidade do vale e da
serra. Os nossos antepassados transmitiam aos mais novos a vontade de continuar
até ao fim dos tempos esta tradição, a vontade de um povo, que nos anos quarenta
do século XX, mesmo sem serem acompanhados por um padre continuaram a cumprir a
tradição. Mesmo ameaçados de excomunhão foram ano após anos cumprir a palavra
daqueles que honraram este povo de Besteiros. As
origens apontam datas, mas a tradição oral que foi sendo transmitida de geração
em geração deveu-se às lutas contra os mouros, e os povos do vale, aguerridos
foram em auxílio das gentes da serra, situação que parece recreada na formação
das procissões de Santiago de Besteiros, Campo de Besteiros e Castelões.
Perto de um antigo castro, as três
freguesias, em posições diferentes como num campo de batalha se tratasse
preparam-se para percorrer caminhos impregnados de história, ao mesmo tempo que
se apuram as vozes para, neste caso não dar gritos de guerra, mas para entoar
as ladainhas a louvar e rogar pelas sementeiras que entretanto nos aguardava
outrora num vale fértil. De histórias e de lendas conta-se que chefe Lusitano
Briceu recrutou nestas terras os seus valorosos guerreiros, que se
notabilizaram no domínio da Besta, dando origem ao nome Besteiros que se
estendeu a toda uma terra. A tradição oral perpetua esta versão, onde muitas
vezes a Igreja via-se abraços com o culto pagão às divindades que entretanto
procurou cristianizar. Certo que esta festa não remonta ao tempo das lutas
entre cristãos e mouros, sendo muito mais recente, mas nada contraria que não
seja recreada essa luta de importância transcendental para o povo cristão.
Aconteceu noutros sítios, onde grandeza dos acontecimentos que ficaram na
memória popular fossem mais tarde honrados por povos vindouros. De certeza que
existe uma grande ligação entre o culto de Nossa Senhora do Campo onde se
deslocavam as quatro freguesias em momentos diferentes do ano, com as festas
das cruzes e sobretudo a cerimónia de bênção dos campos. Era à Nossa Senhora do
Campo aquém recorriam os agricultores para a proteção das suas sementeiras. As
três freguesias do vale de Besteiros continuam com as suas procissões a
participar na Festa das Cruzes, mas ao Santuário de Nossa Senhora do Campo
somente cumpre a tradição a paróquia do Guardão, que no dia de São Lourenço
desce ao vale e vem honrar a promessa dos seus antepassados.
Em dia de chuva, em dia de nevoeiro, sem se poder ver o vale, a Festa das
Cruzes ainda encanta, já sem as grandes multidões de outrora, porque os tempos
são outros, menos dados à satisfação do espírito e à religiosidade. São
momentos únicos, participar, sentir, ouvir, ver o desmanchar a procissão para
mais à frente, junto à Capela de São Sebastião se formar novamente, então em
direção à Igreja Matriz do Guardão onde serão recebidas pelos anfitriães, não
para travarem uma batalha, mas para darem o abraço de paz, de solidariedade, e
que momento este, tão profundo, tão significativo.
Por último depois da Eucaristia e da cerimónia da bênção dos campos, aqui
alguma semelhança com a Festa da Espiga que ainda acontece por esse país fora, as
quatro freguesias vão em majestosa procissão percorrer os caminhos, que antes
tinham sido percorridos individualmente por cada uma das freguesias
participantes.
Festa das Cruzes do século XXI, ainda continua ser mágica, ainda transporta
consigo a mensagem da importância da história comum do vale com a serra.
Reviver impõe-se e não importa a sua origem, importa sim a sua mensagem, embora
hoje as coisas parecem feitas sem o sentir, onde as procissões a decorrer
rodeada por bancas, onde ao mesmo tempo se enchem copos de vinho e se negoceia
umas tortas ou umas ferramentas para o campo.
Quanto à história nada prova aquela teoria das doze paróquias, antes pelo
contrário, mas nesta comemoração revive-se um momento bastante significativo na
vida destas quatro paróquias, e uma profunda ligação com o culto de Nossa
Senhora do Campo.
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