Sempre
que se aproxima 4 de fevereiro, a saudade aperta, as memórias como que explodem
em catadupa, de tempos de meninice, na bela adormecida, aquela bela adormecida
que dorme um sono eterno, sem encontrar o seu príncipe encantado que a retire
desse letargia a que foi votada. 4 de fevereiro, a vila de Campo de Besteiros
faz anos, prenda mínima para quem tanto lutou para que no futuro as gerações
vindouras pudessem definir o seu percurso, de forma autónoma, independente.
Olhar oitenta e nove anos atrás perdeu-se a dinâmica, a ânsia de querer mudar o
mundo, e sobretudo aquele bairrismo, aquele amor filial transformou-se por
artes mágicas em comportamento de dormitórios de zonas industriais. Hoje
sente-se isso, cada vez que me desloco a um pequeno pedaço do paraíso. Novas
atratividades deixam a nossa terra como abandonada à sua sorte, à espera não
sabemos muito bem do que aguarda.
Campo de Besteiros ao escrever-te esta carta, numa época
tomada pelas novas tecnologias, procuro transmitir-te que a tradição ainda tem
outro sabor, ou melhor, aquele sabor, o acreditar deve fazer parte da
esperança, da vontade de um povo, embora hoje as lutas sejam outras, porque há
causas que se perderam para sempre. Outras nunca se ganharão senão formos
capazes de as empreender, de as começar a por na liça. Somos muitos esquecidos
da nossa História, e muitas vezes nem sequer nos interrogamos o porquê das
coisas. Não valorizamos o que fizemos de inovador, como por exemplo termos sido
o berço da avicultura. Hoje deveria ser um dia grande, ou é dos meus ouvidos,
mas não ouço nada, talvez só o tilintar dos pratos, somente, somente o tilintar
dos pratos, triste sina de uma terra, triste sina.
Numa retrospectiva histórica, a
vida, nos finais dos anos vinte, estaria calma na antiga aldeia de Santa
Eulália de Besteiros. O seu desenvolvimento era marcante num vale
essencialmente rural, agitado às vezes, pela partida dos seus jovens para as grandes
cidades, ou para o outro lado do Atlântico, nomeadamente o Brasil. Sempre em
busca da quimera, do sol após a linha do horizonte, porque, por vezes o não
brilhava para todos.
Santa
Eulália de Besteiros destacava-se pela sua localização, cruzamento de várias
estradas que rasgavam o vale, atraía a si as “gentes” das terras em volta,
devido à sua importância económica, reflexo do seu comércio e indústria. A
nível associativo, duas associações comprovavam o espírito de iniciativa
presente nos besteirenses. A Sociedade de Defesa e Propaganda do Vale de
Besteiros constituída com o objectivo de defender os interesses da região e o
Besteiros Futebol Clube que proporcionava aos jovens a prática do futebol.
Por vezes temos tendência a
minimizar aquilo que é nosso, por isso atentem ao que escrevia um besteirense,
na Folha de Tondela de 2 de Março de 1924, “... na nossa terra, tão linda e
tão invejada por quantos aqui aportam, ou tem a dita de a conhecer, alguns
verdadeiros bairristas convidaram os representantes do comércio e da indústria
e os principais proprietários desta freguesia...”
Por isso, Santa Eulália reunia todas
as condições necessárias para ser promovida à categoria de vila, prenda menor
para quem almejava a sede do concelho de Besteiros. O Decreto – Lei 16.467 de 4
de Fevereiro elevou Campo de Besteiros à categoria de vila.
Data significativa para todos os
besteirenses que terá sido uma compensação diminuta para aquilo que era
ambicionado. Três anos antes lutava-se pela criação do concelho de Besteiros,
ambição quase concretizada que só a substituição de um ministro e as jogadas de
bastidores que contribuiriam para alteração da decisão da freguesia de Barreiro
de Besteiros.
Mais uma vez, vou ficar por estas
linhas que vos deixo.
Sejam felizes, são os votos do vosso
amigo;
Joaquim
Calheiros Duarte
Um comentário:
Penso que seria o dia indicado para a autarquia promover um Colóquio, uma Conferência ou um debate para repensar Campo de Besteiros, no passado, no presente e no futuro, tendo como conferencista ou moderador o Dr. Joaquim Calheiros Duarte , como a pessoa indicada, dada a sua condição de historiador e de conhecedor profundo da nossa terra. Que esta ideia tenha concretização no próximo ano, aquando da celebração do 90º. aniversário e a nossa Junta de Freguesia comece a pensar nesse desiderato. Quando comparo a nossa vila, com outras de igual importância e outras com menor destaque e importância , consigo ver a diferença culturalmente falando, com outras em que se promovem nos mais diversos campos culturais, económicos, gastronómicos e outros, quando nesse aspecto a nossa terra faz zero.
Pensem nesta dica e força, Campo de Besteiros será aquilo que os seus filhos quiserem que ela seja.
Rui Augusto da Cruz
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